terça-feira, 14 de março de 2017

Querida mãe


Querida mãe,



Hoje completas mais uma Primavera, daquelas em que o Sol nunca desaparece e faz desabrochar as flores mais bonitas do jardim. Continuas linda como eras quando, em pequena, usavas duas grandes tranças e tocavas piano. Hoje em dia ainda te recordas das cifras da "Noite Feliz" e, apesar de isso não ser importante, tens de admitir que te deixa feliz a memória não te atraiçoar!

Cresceste no seio de uma família que, acima de tudo, te amava mais do que tudo aquilo que há para amar, e onde reinava o sonho que pudesses chegar, com o teu irmão, mais longe ainda do que aquilo que ambicionavam para vocês próprios. Foste para a Universidade e, com o mesmo brio com que fizeste o teu curso, ingressaste no mercado de trabalho. Fizeste-te mulher, e, com uma saia pelo joelho, que jamais hoje usarias, foste para aquele que continua a ser o teu local de trabalho, há mais de vinte anos. É engraçado como, ainda hoje, as tuas amigas recordam a tua vivacidade e vontade de fazer mais, algo que, por mais anos que passem, jamais perderás.

Muitas coisas aconteceram ao longo destes anos, abraçaste muitos projetos e viste-te obrigada a ceder perante outros que, apesar de terem detido por algum tempo a tua atenção, não eram, realmente, aquilo que querias encabeçar. Ensinaste, e continuas a ensinar, e não há quem tenha sido teu aluno que não saiba, hoje em dia, as proposições, nem que seja pela obrigatoriedade de criarem um rap em que as mesmas constem. De tudo aquilo que recordas hoje com mais saudade e felicidade, num misto de dor e agradecimento, o pai é a constante, como se antes dele nada tivesse, para ti, importância suficiente para ser contado: sei de cor como se conheceram, como se apaixonaram, e conheço as vossas juras de amor quase tão bem como as que também eu própria hoje faço com aquele que também espero ser o homem dos meus sonhos.

Deste-me à luz, e, uns anos mais tarde, à Carolina. Lembro-me de ser pequena e de olhar para cima e ver o teu rosto, sempre tão cuidado e iluminado, como se me teres ao teu colo fosse uma bênção. Enganaste-te, mãe, bênção foi ter-te como mãe, e ter sido concebida nesse ventre que foi tão acarinhado durante meses e meses pelo pai. Lembro-me de me fazeres crer, tal como o pai sempre fizera, que se acreditasse com muita força nos meus sonhos eles se concretizariam. E tenho um número infindável de memórias tuas, contigo, ao teu lado, que não trocava por nada deste Mundo.

Quando escrevi o prefácio do "Madalena", e procurava as palavras certas para homenagear o pai, disseste-me que escrevesse que tinha um caráter imensurável. Escrevi-o, pois não há palavra do dicionário que melhor adjetive aquilo que era e é, e, hoje, digo-te que também tu tens essa qualidade. Porque sempre foste a nossa melhor amiga, minha, da Carolina e do pai. Porque quiseste ser minha confidente numa adolescência que nem sempre quis confessar, porque me apoiaste e me deste a garra necessária para que me sentisse invencível até o ser efetivamente. Porque sempre nos protegeste, porque sempre nos deste tudo aquilo que precisávamos, mesmo que isso não significasse tudo aquilo que queríamos e, acima de tudo, porque sempre foste um exemplo. Tu, o teu amor com o pai, a família que construíste. És não só aquilo que quero ser, mas aquilo que tenho de ser: porque a tua inteligência, sentido de humor e sensibilidade me enchem de orgulho, e porque é esse orgulho que sinto que quero também ver, um dia, espelhado na alma dos meus. Porque tu sabes, só nós sabemos, o quanto o teu coração é grande e a força com que amas, e essa força arrebatadora que supera a distância que não se conta em quilómetros. Porque te ergueste durante a tempestade, porque pensaste sempre em nós em primeiro lugar, porque nos dizes tantas vezes estar bem para nos ver bem.

Só te posso agradecer por seres uma daquelas mulheres que eu, com dezanove anos, ambiciono e luto por ser. O teu coração é do tamanho do amor que sinto por ti, e por mais que a vida nos fuja das mãos, e nós sabemos como ela é matreira, estamos juntos, os quatro, e o pai não podia estar mais descansado, sabendo que deixou os seus três tesouros juntos, abraçadinhas, tantas vezes na mesma cama ao fim de semana, a rir e a contar o que aconteceu.



Amo-te muito, muito, muito! Eu sei que, desde que o pai faleceu, este dia é diferente, mas queria que soubesses que nem por isso deixarei de te desejar um dia muito feliz!

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